quarta-feira, 1 de julho de 2009

Francisco

[a um companheiro de estrada mudando o caminho]

Vai ficando longe,
mas eu ainda
lembro: o passado,
sem orgulho mas doce,
amendoim Agtal e açúcar
União.
Lembro o fracasso
com as meninas e como a gente
pintava a rotina,
que era azul e cinza,
miúda
e ainda por cima
míngua na lembrança.

A gente vai passando
e contudo eu cato
alguma poeira
dentro da infância.

Lembro os jogos,
quase um conceito que te explica,
os dados de vinte lados
e os primeiros sons de uma promessa vazia:
sonho infantil requentado em furor adolescente,
a música feita pra menina,
uma melodia inocente,
a espera de uma chance
que não pôde, é claro.

É, tá ficando longe, meu caro,
e como você gosta de me ouvir:
tudo explodiu e a gente não viu,
não veio, nem voou,
e quem?
mas é engraçado,
a gente não sabia, a gente
não tinha nada
até o sono invadir o asfalto.


Ali sim fincou-se um tipo de fim,
com sabor de ferro, sim, rapidíssimo,
secamente como um raio.
Sem suspiro.
A manhã viria
à custa de soluços compartidos
e da certeza abissal de que
algo tinha mudado.
Depois tudo se abriria
numa distância rasa e
incontornável,
e agora tudo parece mais livre
embora os dias mais amargos,
a fumaça que vai engolindo
teu dia-a-dia na comida,
uma agoniazinha te fazendo levantar,
assobiar, se coçar, é, é...
flutua com cuidado nesse humor
leve, destila o riso na gota fina,
que eles se vão pela trilha treda,
rosnam tua mansa distração.

Só que as pernas da gente balançam
no muro, ainda,
amigo, é essa tua natureza fácil
que nos distingue e aproxima:
uma voz dócil que exclama
num recreio incontrolável, num modo lúdico
de viver o drama.


Felipe Velho
6 / 5 / 2008

3 comentários:

Unknown disse...

Se todos soubessem traduzir uma pessoa em poemas do jeito que você sabe, viveríamos uma "vida colorida".

Felipe Velho disse...

=)

Francisco Cota disse...

O que seria do dia sem a noite? O doce sem o amargo. O som sem o silêncio. Caro amigo, nossa diferença nos irmana.

Um abraço saudoso,

Francisco.