quinta-feira, 16 de julho de 2009

Dino

[a um bom camarada, livre como poucos, carioca de copo na mão, franco-maranhense de coração]

No vértice de um instante,
no ar,
na instância mais aguda
da palavra.

Camarada,
explodo contigo nessa manhã.

Entre a Rua Grande e
e o Quai Saint Germain,
por cheiros de livro,

num beco do Rio Comprido,
do Leme ao Lido.

Lida num grave humor,
a genealogia, a geografia do
indivíduo —
a origem te exerce um fascínio.

Saboreia o sabor
na história,
conversa com o vinho.

Decanta o teu amor
juif-sémite, gaulois,
azul como deve o mar,
oui.

Marginais em Montmartre,
no Moulin, aqui;

mas a vida é uma frase
composta de dois itinerantes,
de fé
e coração de viajantes.

E isso fica entre nós num café,
numa tarde,
num poema apagado.

Fico com a virulência no debate
e o instinto verbal que entorna
tua verve de vate.

O vácuo a meu lado vai ser uma forma
de fazer a saudade só mais
um aroma.

É nesse modo de ferver,
na via de enfrentamento
que a gente se encontra –
embora o meu sono.

Me acendo nesse vento,
calado, me aprendo em como
fazer de um momento
aquilo tudo o que somos:
ato.


Felipe Velho
Rio, 13 / 05 / 08

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Francisco

[a um companheiro de estrada mudando o caminho]

Vai ficando longe,
mas eu ainda
lembro: o passado,
sem orgulho mas doce,
amendoim Agtal e açúcar
União.
Lembro o fracasso
com as meninas e como a gente
pintava a rotina,
que era azul e cinza,
miúda
e ainda por cima
míngua na lembrança.

A gente vai passando
e contudo eu cato
alguma poeira
dentro da infância.

Lembro os jogos,
quase um conceito que te explica,
os dados de vinte lados
e os primeiros sons de uma promessa vazia:
sonho infantil requentado em furor adolescente,
a música feita pra menina,
uma melodia inocente,
a espera de uma chance
que não pôde, é claro.

É, tá ficando longe, meu caro,
e como você gosta de me ouvir:
tudo explodiu e a gente não viu,
não veio, nem voou,
e quem?
mas é engraçado,
a gente não sabia, a gente
não tinha nada
até o sono invadir o asfalto.


Ali sim fincou-se um tipo de fim,
com sabor de ferro, sim, rapidíssimo,
secamente como um raio.
Sem suspiro.
A manhã viria
à custa de soluços compartidos
e da certeza abissal de que
algo tinha mudado.
Depois tudo se abriria
numa distância rasa e
incontornável,
e agora tudo parece mais livre
embora os dias mais amargos,
a fumaça que vai engolindo
teu dia-a-dia na comida,
uma agoniazinha te fazendo levantar,
assobiar, se coçar, é, é...
flutua com cuidado nesse humor
leve, destila o riso na gota fina,
que eles se vão pela trilha treda,
rosnam tua mansa distração.

Só que as pernas da gente balançam
no muro, ainda,
amigo, é essa tua natureza fácil
que nos distingue e aproxima:
uma voz dócil que exclama
num recreio incontrolável, num modo lúdico
de viver o drama.


Felipe Velho
6 / 5 / 2008