quarta-feira, 15 de abril de 2009

Marlon Brando

[Diante de 'Um bonde chamado desejo']

Estávamos sós.

Você emergiu do fundo da casa como no dia em que chegou: olhar escancarado, histérico, breves fôlegos de coragem, vestindo os signos da ilusão. Minha presença a acendeu como febre, instantaneamente, você começou a dizer todas as mentiras que me transtornavam e excitavam. Calei-a endurecido, com minha moral de trabalhador, pujante e impenetrável. Daquele bonde para cá, perdíamo-nos a cada minuto.

Você permaneceu inerte por um longo tempo, imersa na própria delicadeza morta. Ao sair do silêncio, um sinal de descontrole se deixou revelar: o tom da sua voz saíra mais grave e rouco que de costume quando reagiu à minha censura violenta. Calei-a com fúria, latejante, úmido de uma sensação amarela e amarga.

Diante, então, da muralha suada que compus com a carnadura do meu tórax e a potência que vazava por nossas mãos, sem saída, você se emparedou em mim. Seus olhos foram sumindo gradualmente, pequenos, pequenos a cada metro que ganhavam rumo ao fundo do mundo, à verdade infinita. Não mais histérica, não mais vestida — apenas sua.

Já eu estava só.

Felipe Velho

[Texto de 2006]