quinta-feira, 25 de março de 2010

O nome do esquecimento

[Texto publicado na Revista Cult, ed. 17, 2007]

I

O leve prazer de
febrilmente checar cada fato.

Essa força automática, orgânica
como um flato.

Vamos conferir,
nos ferir, vamos
nos ferir com o que somos,
rir e sentir asco.

Vamos em frente.


II

Pra hoje, tenho tudo em mente.
Mas não lembro o teu nome.

Lembro as coisas escritas nos dedos,
os movimentos no ar com os dedos,
o movimento dos dedos...
mas:
qual é mesmo o teu nome?
jamais lembrei.
Tudo mas nunca o teu nome.

Entre outras coisas,
o meu medo é um numeral gravado
em cada cu de cada um da cidade.
Teu nome, já sei, é: o que mesmo?
Meu medo é lembrar o teu nome,
gravado no cu de cada um que
conta com conta com conta corrente,
desconta na fonte na fome de quem? O teu nome se come?
Eu quero é que tu me lembre o teu nome,
que eu queria saber qual é o teu nome,
esse dedo que se estende, que se esconde
— onde?
eu quero saber quem é que lembra o teu nome,
ah, esse teu pronome de coisa perdida,
codinome escorrido pelos dedos, o teu código-fonte
me diz, esse número palavra letra nome
essa coisa que me mete medo,
me conta o teu nome que eu troco de trilha,
mudo pra um horizonte de cores coloridas,
giro pelas folhas molhadas no cheiro de água,
que eu paro de enfiar a cara no tempo,
que eu paro de te procurar,
que é pra eu parar de me procurar nesse nome,
como eu queria lembrar.

Ah, se teu nome fosse um dedo,
eu enfiava lá.


III

Cada sentença cada sinal
é parte da procura.

O minuto estomacal.
A ignição suada da leitura.

Me demoro no jornal,
me diluo na tortura.

Mas, eu não vi o teu nome na página,
o teu nome na página,
eu esqueci.

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